quinta-feira, 31 de julho de 2014

A ORTOGRAFIA NÃO PRECISA SER SIMPLIFICADA - Marcos Bagno

     

     Muitas opiniões têm sido emitidas e publicadas logo depois da adoção da nova ortografia no Brasil. A maioria delas, infelizmente, sem nenhuma boa fundamentação em seus argumentos. Uma dessas opiniões é a de que uma ortografia “simplificada” facilita a aprendizagem da leitura e da escrita. Ora, se fosse assim, as línguas mais faladas e escritas internacionalmente (o francês e, ainda mais, o inglês), com suas ortografias ilógicas e complicadas, jamais teriam alcançado a difusão que alcançaram.
      A realidade nos mostra que é preciso inverter esse mito: é a educação de qualidade que leva um povo a se apoderar de seu patrimônio letrado e a ser capaz de ler e de escrever bem, independentemente do tipo de sistema de escrita empregado.
      Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha apresentam índices de alfabetização de 99% da população, apesar da ortografia caótica do inglês. A França exibe o mesmo índice, assim como o Canadá, país que tem no inglês e no francês suas línguas oficiais e de ensino. O Japão tem um índice de alfabetização que beira os 100%. No entanto, escrever em japonês é um aprendizado constante: um cidadão japonês letrado aprende em média um ideograma novo por dia; e a escrita japonesa se vale de nada menos do que três sistemas de escrita diferentes. A China também se destaca como um país onde 93,3% de seus 1,5 bilhão de habitantes são alfabetizados e dominam algo entre 3.000 e 4.000 ideogramas diferentes para poderem ler e escrever a contento.
      Por outro lado, diversos países que têm o português como língua oficial, uma língua com uma ortografia mais simples e mais regrada que as citadas acima, apresentam baixos índices de alfabetização: Angola (67,4%), Guiné-Bissau (44,8%), Moçambique (38,7%). No Timor-Leste, só 50% da população é alfabetizada, sendo que no final do período colonial português, em 1975, o analfabetismo chegava aos 90%. A Guatemala, país onde o espanhol (que tem um dos sistemas ortográficos mais próximos do “ideal”) é a língua oficial, apenas 69,1% da população é alfabetizada (13 milhões de habitantes).
      Em contrapartida, Cuba, com população semelhante (11 milhões) ocupa o primeiro lugar na lista de todos os países do mundo em qualidade de educação, e seu modelo de alfabetização popular tem sido adotado por outros países latino-americanos. De acordo com os resultados obtidos nos testes de avaliação de estudantes latino-americanos, conduzidos pela Unesco, Cuba lidera, por ampla margem de diferença, nos resultados obtidos pelas 3as. e 4as. séries em matemática e compreensão de linguagem. Os índices mais baixos obtidos pelos estudantes cubanos superaram de longe os mais altos de outros países do continente, incluindo o Brasil.
      Como se vê, é perfeitamente possível alfabetizar todo um povo, desde que haja investimentos consistentes em educação — se eles existirem, a ortografia pode ser de qualquer tipo.