domingo, 1 de março de 2015

Microconto



Resolvi transformar um dos meus contos em um microconto. Vejam o resultado:



Encontro.com
Respira fundo. Conta até dez. Esse truque sempre funciona. Pensamento positivo. Abre o porta-luvas em busca da página impressa do site de relacionamentos. Precisa relembrar a descrição do candidato que irá ocupar o seu coração solitário. Pontualmente 21 horas. Chega ao Shopping. Disfarça um tempo olhando as vitrines. Não pode ser pontual logo no primeiro encontro. Fita o relógio pela última vez. Enche o peito de coragem e decide acabar com aquela agonia. De longe, avista um homem de estatura mediana com calça jeans e camisa laranja. As características físicas não conferem. De repente, sai em disparada em direção ao estacionamento. Para um instante para retomar o fôlego. Finalmente conclui: antes só do que mal acompanhada.

sábado, 13 de setembro de 2014

Comparação entre o conto "Felicidade Clandestina" da escritora Clarice Lispector e o curta-metragem "Clandestina Felicidade" de Beto Normal e Marcelo Gomes

 

       Ao comparar o Conto “Felicidade Clandestina” de autoria da escritora Clarice Lispector com o curta-metragem brasileiro “Clandestina Felicidade” de Beto Normal e Marcelo Gomes percebe-se que as diferenças se acentuam logo no título das obras, embora ambos remetam a mesma temática. Tal inversão de palavras pode ser justificada pela alteração ocorrida na transposição da narrativa para o Curta conforme veremos nos próximos parágrafos.

      Entre essas mudanças, destaco o foco narrativo. O conto é narrado através do olhar de uma narradora-personagem, pois além de narrar os fatos, a menina participa das ações enquanto protagonista de sua própria história. Os diretores do curta-metragem não adotam o recurso do narrador-personagem. A obra cinematográfica explora os diálogos e as ações em torno da personagem principal Clarice. Os produtores apostam, ainda, na expressividade da atriz mirim Luisa Phebo a fim de transmitir as emoções descritas pela contista. 

       A escritora Clarice Lispector não nomeia as personagens do conto “Felicidade Clandestina.” O leitor identifica as por meio de características atribuídas pela narradora ou pela sua função social na história. O curta-metragem, por sua vez, apresenta uma versão biográfica da infância de Clarice Lispector. Tal releitura encontra respaldo em alguns elementos que remetem à infância da mesma. Como exemplos, destaco o cenário da narrativa Recife, capital de Pernambuco onde Clarice viveu sua infância, e também o fato da personagem-protagonista ser apaixonada por livros como a escritora. 

       A adaptação fílmica não é baseada somente na narrativa em estudo. A cena em que a personagem Clarice prepara-se para acompanhar uma marchinha de carnaval, por exemplo, faz menção ao conto “Restos de Carnaval” de mesma autoria. Portanto, os diretores apresentam um misto dos contos que resultam em algumas mudanças no enredo. Além disso, exibem recortes de passagens autobiográficas da vida da autora, ou seja, informações que não são apresentadas nas suas escritas ficcionais. 

      As duas produções em análise enfatizam a importância da leitura na vida de uma criança. Embora a produção cinematográfica tente demonstrar por meio de diálogos, ações e imagens a relevância que a leitura e a escrita tinham na vida da pequena Clarice, a obra literária cumpre o mesmo papel, porém com mais intensidade. Por mais que a obra fílmica tente reproduzir fielmente a produção escrita, dificilmente vai conseguir atingir os mesmos sentimentos de alegria, tristeza e raiva produzidos pela escolha poética das palavras. 

      Por fim, o livro, no conto, não é meramente uma reunião de folhas impressas e montadas por uma capa, mas, sim, a personificação de um amante. O livro passa da função de objeto para o papel de ser desejado e, sobretudo, amado. Tamanha sensibilidade não é possível representar se não por um conjunto de caracteres denominado palavras.

Conto disponível no seguinte site: http://intervox.nce.ufrj.br/~valdenit/felicida.htm




quinta-feira, 31 de julho de 2014

A ORTOGRAFIA NÃO PRECISA SER SIMPLIFICADA - Marcos Bagno

     

     Muitas opiniões têm sido emitidas e publicadas logo depois da adoção da nova ortografia no Brasil. A maioria delas, infelizmente, sem nenhuma boa fundamentação em seus argumentos. Uma dessas opiniões é a de que uma ortografia “simplificada” facilita a aprendizagem da leitura e da escrita. Ora, se fosse assim, as línguas mais faladas e escritas internacionalmente (o francês e, ainda mais, o inglês), com suas ortografias ilógicas e complicadas, jamais teriam alcançado a difusão que alcançaram.
      A realidade nos mostra que é preciso inverter esse mito: é a educação de qualidade que leva um povo a se apoderar de seu patrimônio letrado e a ser capaz de ler e de escrever bem, independentemente do tipo de sistema de escrita empregado.
      Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha apresentam índices de alfabetização de 99% da população, apesar da ortografia caótica do inglês. A França exibe o mesmo índice, assim como o Canadá, país que tem no inglês e no francês suas línguas oficiais e de ensino. O Japão tem um índice de alfabetização que beira os 100%. No entanto, escrever em japonês é um aprendizado constante: um cidadão japonês letrado aprende em média um ideograma novo por dia; e a escrita japonesa se vale de nada menos do que três sistemas de escrita diferentes. A China também se destaca como um país onde 93,3% de seus 1,5 bilhão de habitantes são alfabetizados e dominam algo entre 3.000 e 4.000 ideogramas diferentes para poderem ler e escrever a contento.
      Por outro lado, diversos países que têm o português como língua oficial, uma língua com uma ortografia mais simples e mais regrada que as citadas acima, apresentam baixos índices de alfabetização: Angola (67,4%), Guiné-Bissau (44,8%), Moçambique (38,7%). No Timor-Leste, só 50% da população é alfabetizada, sendo que no final do período colonial português, em 1975, o analfabetismo chegava aos 90%. A Guatemala, país onde o espanhol (que tem um dos sistemas ortográficos mais próximos do “ideal”) é a língua oficial, apenas 69,1% da população é alfabetizada (13 milhões de habitantes).
      Em contrapartida, Cuba, com população semelhante (11 milhões) ocupa o primeiro lugar na lista de todos os países do mundo em qualidade de educação, e seu modelo de alfabetização popular tem sido adotado por outros países latino-americanos. De acordo com os resultados obtidos nos testes de avaliação de estudantes latino-americanos, conduzidos pela Unesco, Cuba lidera, por ampla margem de diferença, nos resultados obtidos pelas 3as. e 4as. séries em matemática e compreensão de linguagem. Os índices mais baixos obtidos pelos estudantes cubanos superaram de longe os mais altos de outros países do continente, incluindo o Brasil.
      Como se vê, é perfeitamente possível alfabetizar todo um povo, desde que haja investimentos consistentes em educação — se eles existirem, a ortografia pode ser de qualquer tipo.